quinta-feira, 11 de dezembro de 2008
DIFERENÇA
Por uma vez, atenta no que digo.
Escuta:
Aos regressos de mel
a que chamas saudades,
meu amigo,
que antecedem,
sabemos,
outras tantas partidas,
outras tantas verdades,
eu chamo-lhes cicuta.
domingo, 26 de outubro de 2008
ASA DE VENTO
asa de vento
leve, breve
voa
fugaz momento
que na noite
ecoa
Soa
como um lamento
rouco, louco
soa
no pensamento
onde a vida
doa
Coa
todas as águas
fios, rios
coa
todas as mágoas
na voz
que ressoa
Voa
a sombra alada
manto, canto
voa
na madrugada
que tudo
perdoa
voa
voa
voa
domingo, 21 de setembro de 2008
Praia das Maçãs
A névoa estendeu o manto
rasgam-se os olhos de espanto
tudo é bruma
tudo é espuma e maresia
a areia ensaia uma dança
de torpor
ao sabor da ventania
Praia das Maçãs
onde ladrilho a saudade
em nebulosas manhãs
A nortada não acalma
um remoinho na alma
pé-de-vento
ao relento da alvorada
A falésia tinge de ouro
o imenso sorvedouro
do passado
no brado da madrugada
Praia das Maçãs
onde é agreste a verdade
de mil ventos tecelã
Senhora das tempestades
leva contigo as saudades
de outros dias
litanias de cetim
Enleia em algas molhadas
as lembranças condenadas
e os presságios
dos naufrágios que há em mim
Praia das Maçãs
onde só o mar invade
os incertos amanhãs
(Ennio Morricone - Canone Inverso)
domingo, 22 de junho de 2008
IN MEMORIAM
Envolta em furtivo manto
a vida nos afastou.
Pouco a pouco, em desencanto
o encanto se tornou.
E assim, sem dor, sem pranto
a antiga fonte secou.
Tivesse eu sabido ao certo
qual o exacto momento
em que o mar se fez deserto
e o olhar se fez lamento!
Ah, tivesse eu descoberto,
antes de o mar se escoar,
o preciso movimento
que faz o tempo parar...
E teria dado ao tempo
outro tempo de sonhar!
Mas sei agora que é tarde.
Há preciosos segredos
que se apagam, sem saber
da memória que os não guarde
e nos escapam entre os dedos
para noutras mãos se prender...
sábado, 31 de maio de 2008
TEAR
no tear da página branca
e é a Vida que teces nas palavras.
Com mãos hábeis
tiras cada fio de tempo
da meada da memória
cada momento quase perdido
delicado e frágil
estudas-lhe a cor
buscas nele o longínquo brilho
que um dia te encantou
e dás-lhe, refeita, a antiga luz
que o traz de novo à vida.
Assim entrelaças
com paciência
e infinito cuidado
os insondáveis fios
de que são feitas as palavras.
Do tear da página
agora colorida de lembranças
vai nascendo um precioso manto
que me envolve
abriga
e agasalha.
sexta-feira, 2 de maio de 2008
Talvez eu volte a voar
só este manso existir
que me abandono à maré
sem forças para resistir
na lucidez de quem vê
todos os sonhos partir
Diz-me que cada ilusão
traz renovadas magias
que é tão grande a tentação
de deixar correr os dias
sem lhes dar uma razão
sem lhes vestir fantasias
Diz-me, diz-me, que eu preciso
de voltar a acreditar
que quem busca o paraíso
talvez o possa encontrar
por momentos, num sorriso
por instantes, num olhar
Diz-me, sim, mesmo que temas
que eu já não possa escutar
faz das palavras poemas
dá-lhes a força do mar
palavras quebram algemas
talvez eu volte a voar...
(Mendelssohn - Concerto para violino en Ré menor)
quarta-feira, 23 de abril de 2008
Certeza
domingo, 20 de abril de 2008
MARÍNTIMO
Que o meu olhar precisa dessa luz
Que o teu azul, em mim, é quem conduz
A sedução
A despertar...
Deixa-me ouvir-te, mar
Eu quero embriagar-me dos teus sons
Tens a cadência dos meus sonhos bons
Só eu te escuto
Podes cantar...
Vem invadir-me, mar
Enche-me as veias de espuma e de sal
Nos meus sentidos deixa um temporal
Que essa carícia
me faz vibrar...
Quem sabe um dia, mar
eu possa transformar-me em areal
Desintegrar-me em conchas e coral
e conhecer-te, enfim
sem naufragar...
(Dvorak - Sinfonia do Novo Mundo)
sexta-feira, 11 de abril de 2008
ESSA PALAVRA
essa palavra mágica e sagrada
que às vezes vem de sol incendiada
por uma ventania
devastadora e nua.
E outras vezes apenas se insinua
como uma leve brisa
que, soprando, desliza
envolvente e macia
Paira entre nós
essa palavra doce como mel
que, sem aviso, nos acende a pele
e nos aquece a alma
numa carícia quente
Mas num instante, caprichosamente
se faz cruel saudade
que nenhuma vontade
suaviza ou acalma
Paira entre nós
essa palavra de outra dimensão
que nos inunda os olhos de ilusão
como uma maré cheia
assim tão cegamente
que nos deixa à deriva, de repente
desafiando a sorte
nos faz trocar o norte
por cantos de sereia
Paira entre nós
essa palavra misteriosa e louca
que vai num beijo de uma a outra boca
rebelde, independente
com o poder de um Deus
E volta na tortura de um adeus
gravada a ferro e fogo
Um infindável jogo
que apenas se pressente
Paira entre nós
essa palavra assustadora e bela
que em gestos e sorrisos se revela
num olhar se anuncia
mas sempre tão subtil
que mal lhe adivinhamos o perfil
já se tornou em nós
o pensamento, a voz
o caos e a harmonia
Paira entre nós
essa palavra, eterna feiticeira
que nos encanta e fere a vida inteira
Que nos domina, enfim
assim impunemente
porque nela se oculta, estranhamente
tudo o que mais queremos
tudo o que mais tememos
tudo o que não tem fim
terça-feira, 8 de abril de 2008
GEOMETRIA DESCRITIVA
Há no sábio desenho dos teus braços
promessas de equiláteros abraços
triangulando em sugestão discreta
Catetos de perfeita geometria
a pedir-me que os una, na harmonia
daquela hipotenusa que os completa
Pouso o olhar exausto de alvoroço
na linha que define o teu pescoço
em caprichos de luz que me seduzem
e sigo-a até perder-se, sem defeito
na secreta penumbra do teu peito
onde todas as linhas me conduzem
E já rendida à estranha convergência
dispo a espiral que fui na tua ausência
e todo o meu cansaço se desfaz
No ângulo feliz do teu abraço
corro a acolher-me, enfim, fechando o espaço
À nossa volta, um círculo de paz
(Luciano Pavarotti & Nuccia Focile - Brindisi /La Traviata)
segunda-feira, 7 de abril de 2008
CANÇÃO PARA UM TEMPO FUTURO
nos ligam, sem contudo nos prender?
São frágeis como os olhos da ternura
São fortes como os gestos do prazer
Quem somos nós, amor, não sei…
Tu, que já viveste tudo
Eu, que tudo já sonhei
Feitas de mil encontros e partidas
sem nunca, afinal, dizer adeus
as horas tantas vezes repetidas
desígnios de outras eras, de outros céus
Quem somos nós, amor, não sei…
Tu, descrente de quimeras
Eu, que sempre acreditei
A Lua nos verá morrer um dia
e um novo Sol virá para nos saudar
Será então o tempo da magia
do reencontro, enfim, do despertar
Quem somos nós, amor, não sei…
Tu, que ainda me procuras
Eu, que há muito te encontrei
segunda-feira, 31 de março de 2008
AMARGO MEL
a dor fez-se real
e depois de tão longa sonolência
pareceu-nos mais injusta
mais letal
mais crua
nesta nova transparência
Que força nos calou a voz outrora?
Que loucura parou o nosso abraço?
E que ironia transformou agora
neste nó cego
o sempre frouxo laço?
Tardio o olhar aceso
inconfundível
E o toque incandescente
pele na pele
Tardio o gesto novo
irreprimível
Tardia, inútil dor
amargo mel...
terça-feira, 25 de março de 2008
PEDRAS MUITAS
recosto a cabeça.
Que ninguém me impeça
de ver nela as penas
de mil almofadas.
Marítimas penas
de gaivotas mansas,
rasando enseadas
numa lenta dança.
Que hoje me adormeça
esta luz quebrada,
esta eterna esperança.
Maresias plenas
só o sonho alcança.
Na pedra mais pura
que o vento esculpiu,
encontro o enlace,
revelo o segredo
descoberto a medo
com dedos de frio:
inscrevo-lhe um nome,
como se o calasse.
Se o tempo parasse
agora, o navio
que na noite escura
contigo partiu,
talvez me levasse,
talvez naufragasse
na pedra mais dura
que jamais se viu.
Nas pedras que vejo
descanso o olhar.
Pedras muitas, tantas,
tão silenciosas
e tão preciosas
que só um desejo
as sabe contar.
quinta-feira, 20 de março de 2008
EM SILÊNCIO
em silêncio
e diz-me
tudo o que só assim sabes dizer
Deixa que eu traduza
no código que inventámos só para nós
que aboliu as palavras
que nunca teve voz
as vagas de ternura que adivinho
o desejo nunca saciado
a paz de sermos sempre complemento
Em silêncio
porque só assim nos entendemos
só assim nos pertencemos
sem os medos
nem as promessas condenadas
de quem usa palavras
porque não sabe falar de outra maneira...
sexta-feira, 14 de março de 2008
O QUE EU QUERIA DE TI
Talvez não muito mais que o que me deste...
Apenas um perfume mais agreste
um ramo de ervas bravas, que não vi
O que esperei em vão?
Quem sabe um pouco menos de certezas...
Ver-te brilhar nos olhos, indefesas
invioladas fontes de ilusão
Eu queria essa aventura de encontrar-te
sem ter de me perder dentro de mim
por labirintos, dúvidas sem fim
Sem ter sequer, amor, de procurar-te
Tão pouco... um gesto só me encantaria!
Tão fácil... bastaria uma palavra!
Mas a terra que sou, ninguém a lavra
sem um arado feito de magia
Guardo de ti o quase que tivemos
esboço de um mais que teimo em alcançar
E digo adeus, por não poder ficar
onde tudo me diz que nos perdemos
segunda-feira, 3 de março de 2008
ETERNOS RITUAIS
e palmo a palmo sinto-me vibrar
Primeiro, na lenta perfeição de um beijo
que nos acende o corpo, devagar
Tão devagar que sinto, mais que vejo
morrer na minha pele o teu olhar
Depois, nas mãos que inventam sabiamente
novos desenhos, esboços delirantes
Perdidos tempo e espaço, de repente
partimos à deriva, viajantes
Somos cinco sentidos, simplesmente
por novas dimensões alucinantes
E assim, de sal e mel embriagados
cumprimos os eternos rituais
E ao som de coros loucos, inspirados
dançamos com o vento nos trigais
Entre a terra e o céu entrelaçados
Senhores do Universo uma vez mais
Por fim, quando o desejo é já cansaço
e voltamos a nós, devagarinho
ancoramos na calma de um abraço
feito de gratidão e de carinho
Mas é prazer ainda quando passo
a mão no teu cabelo em desalinho...
sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008
BLIND DATE
para que a minha pele te reconheça
E deixa que esvoace algum desejo
sobre o teu ombro, como uma promessa
Não faças nada do que combinámos
que eu quero descobrir-te lentamente
num jogo sem passado nem presente
futuro apenas, tal como o sonhámos
Liberta-te de amarras e feitiços
abre, por hoje, as asas de condor
Farei o mesmo. Seremos noviços
em claustros de silêncio e de esplendor
filhos de um deus que acolhe os insubmissos
virgens de medos e de toda a dor.
quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008
À FLOR DA PELE
Com dedos de descobrir
Lanço redes num abraço
À flor da pele me desfaço
Na vertigem de sentir
Tudo é matéria, se é tempo
De epidérmicas razões
Danço num sopro de vento
Rasga-me cada tormento
Gelam, queimam, emoções
E todavia, invisível
Eterno e primordial
Corre o rio do intangível
Imperioso, indefinível
Matriz de tudo, afinal
sábado, 16 de fevereiro de 2008
A JORGE AMADO
em lugar de destaque, bem à mão
estão os mágicos livros (num eterno entra e sai)
de um Jorge sempre Amado, sempre lido
em cada geração
e estranhamente nunca proibido,
nem nos tempos da grande agitação
de quatro menininhas a crescer...
(e como então gostávamos de os ler!)
Com um mar, com um mundo de permeio
entre a pacata vila à beira Tejo
e esse imenso Brasil agreste e doce
viveu connosco sempre Jorge Amado
comeu, dormiu connosco, passeou-se
por mesas de madeira e azulejo
e camas vestidas de bordados
como se um de nós fosse...
Fez-nos chorar e rir em devaneio
sonhar, pisar areias sem idade
sentir os cheiros de sua cidade
embriagar de cores, de sensações
entre coronéis e "negas" dos sertões
e navegar a bordo de paixões
sem sombra de pecado.
Por tudo isto, querido e velho amigo
é com toda a ternura que te digo:
Em nome de nós todos, obrigado!
segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008
LOHENGRIN (Prelúdio, I acto)
Melodia infinita
Haikai mais-que-perfeito
Lírico anil de violinos, flautas
e auroras boreais
domingo, 10 de fevereiro de 2008
NADA TEU
a não ser tudo:
o aço mais temido
e o veludo
macio, apetecido
que sempre me prendeu.
as tuas horas de alma
mais íntimas, sagradas
longe da agitação
e aquelas madrugadas
que adivinho em sufoco
e só a minha mão
suaviza e acalma.
Quero o teu paraíso
mais secreto e remoto
quero o mar mais ignoto
que o teu sonho encontrou
e invadiu o teu riso
nesses raros instantes
em que se abandonou
ao deus dos navegantes.
cobardias, fracassos
os desatados laços
os nós inconfessáveis
abismos onde atiras
momentos de tortura
p’ra que a minha ternura
os torne suportáveis.
que não me conte
a mais pura verdade
dos teus medos
a cor dos teus segredos
que não têm idade
o limbo, o gineceu
a primitiva fonte
que um dia te verteu
e deixou nos meus dedos
um gosto de saudade...
quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008
CONSELHO A UM AMIGO (APAIXONADO ?)
e o como?… Não mais que literatura!
Despe de vez o medo que se esconde
entre as frias cambraias da lisura.
Ou então não fales de paixão.
Chama-lhe, se quiseres, melancolia.
Que jamais o tropel de um coração
bate ao compasso da diplomacia.
Que sabes tu das ávidas razões
que a razão desconhece? Da contenda
que nem sempre se trava nos salões
e quase nunca tem punhos de renda?
Não aprendeste nada sobre gente?
E Shakespeare, e Mozart, e Fellini?
Alguém te sonha chocolate quente,
enquanto deitas gelo no martini!
terça-feira, 5 de fevereiro de 2008
CONSCIÊNCIA
grita-me essa voz
desde sempre essa voz
que de dentro me vem
que eu sou tu
e ele
e nós
e todos
somos ninguém.
domingo, 3 de fevereiro de 2008
FLIRT
brincas tu
brinco eu
Quem não tiver juízo, perdeu...
Um sabor, um aceno
provas tu
provo eu
Quem beber o veneno, morreu...
Ai esta brincadeira, este arame sem rede...
Esta chuva ligeira que nunca mata a sede...
Ai de quem não souber que o segredo, o mistério
é não levar a sério o que é só um prazer...
Com champanhe na voz
falas tu
falo eu
Se falámos de nós, não pareceu...
Em matizes de charme
brilhas tu
brilho eu
Atenção, se um alarme apareceu...
Ai este jogo antigo, traiçoeira delícia...
Entre sinais de perigo é preciso perícia...
Quem brincar com o fogo não se deixe queimar:
Prometer e não dar é a regra do jogo!
sábado, 2 de fevereiro de 2008
AMOR? NÃO JURARIA...
E no entanto
cada centímetro de pele se reconhece
se anima, se festeja
nas mãos que, impacientes, se procuram
de esperar-se tanto
nos insubmissos braços que aventuram
enleios, golpes de asa
na noite que amanhece
e cada gesto é um chegar a casa
ao fim do dia
Mas não. Amor, não creio que seja...
Porém
um só olhar detém
o secreto poder do universo
quando o todo e as partes se refundem
o verso e o reverso
por mágicas artes se confundem
e num momento
o caos ganha sentido
e tudo fica bem
Mas amor? Ah, duvido...
Contudo
é ancestral o nosso entendimento
muito anterior a nós
esta pertença
transcende-nos a íntima harmonia
do rio que corre, lento
subterrâneo e mudo
de caudal indomável, que se adensa
num marulhar sem voz
que o só correr diz tudo
e vem o seu silêncio da memória do tempo
Amor? Não, não diria...
E todavia...
segunda-feira, 28 de janeiro de 2008
SEM TÍTULO II
Do tempo?
Do destino?
Mistérios sem idade,
quem os pode saber…
Mas, às vezes,
vislumbro por momentos o divino
na magia contida
num solo de violino,
num mar de tempestade,
ou no incêndio de um entardecer.